Trespassing



Com a participação dos artistas:
Martin Paaskesen e Tiago Evangelista.


por Madalena Pequito,

Uma criança passeia na rua. Pisa a calçada portuguesa e conta cada pedra que está fora do sítio, deixando um buraco no passeio. Por algum motivo, esses espaços negativos dão-lhe uma sensação estranha de felicidade, como se daqueles buracos pudessem nascer novas histórias. Salta de risca em risca na passadeira, e conta quantas riscas pisou. Em viagem, tenta decorar as matrículas de todos os carros e conta quantos carros amarelos apareceram no caminho.

Mais tarde, não se irá lembrar de nenhum destes números, mas isso nunca foi a sua intenção.

Encontra uma vedação e vai fazer tudo para descobrir o que está do outro lado, mesmo que isso não tenha qualquer interesse para a sua vida. Não interessa o resultado, tem de ir.

Não há um motivo, senão o motivo em si.

O mundo à sua volta é uma ode ao som e ao movimento. Sons industriais, o som do spray a sair da lata de tinta, luzes ofuscantes, cores vibrantes. Como se observasse as figuras de Tiago Evangelista nas ruas de grandes cidades, mas com uma calma e fluidez quase campestres, que lhe asseguram que poderá passar a vedação. Então decidiu ir. Ignorou o sinal vermelho de proibido, e pisou a relva acabada de cortar do outro lado.

Olhou para trás e todas aquelas formas e cores podiam ser parte dos desenhos que faz, sem regras, sem tentar impressionar alguém. Fálos com tanta leveza e desapego, porque só os quer fazer. As formas são desenhadas cruamente. Nos seus desenhos há algo insólito, como um degrau. Como se tropessássemos e deixássemos de ter a certeza sobre aquilo que estamos a observar. Tal como no trabalho de Martin Paaskesen, em que dentro do reconhecível e identificável, fica um espaço para a dúvida. Mas mesmo assim, tudo parece real.

Saltou a vedação e as formas concretas do mundo iam-se transformando em cores soltas. Por momentos pensou na maneira de se desculpar caso fosse apanhado, mas no fundo não queria ter de explicar os seus motivos, nem os seus impulsos. Não queria obedecer a regras, pois na sua cabeça tudo era permitido. Dentro do pouco sentido que isso pudesse fazer para os outros, este era todo o seu sentido. Estava tão certo disso, que não havia como o acusarem de invasão.

Era uma invasão legal.

Documents of Innuendo
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