A Cloud, a Family House and a River Stone



Com a participação dos artistas:
Gabriele Herzog, Luisa Ramires e Tobias Wenzel.


Por Madalena Pequito,

Numa tarde de quinta-feira, uma amiga minha veio ter comigo à galeria Ainori. Estávamos a falar sobre as nossas pinturas preferidas e ela disse uma coisa que ficou na minha cabeça. Ela disse que "às vezes, uma forma e uma cor podem ser um meio para que uma mensagem seja espalhada, mesmo que não saibamos inicialmente qual é a mensagem". Achei isso tão poético, que interrompi a conversa para escrever num papel esta frase, para que a mensagem não se perdesse. É como se esta mensagem de que ela fala tivesse uma vida própria e pudesse viajar pelos objectos artísticos, pelas pessoas e pelos espaços. É como se as formas e cores carregassem provas de vida, mesmo em coisas inanimadas, como fenómenos naturais ou algo tão pequeno quanto uma pedra de rio.

Eu estava a pensar nesta questão da mensagem a olhar para as pinturas de Gabriele Herzog. Sente-se uma enorme leveza ao observar os traços de cor soltos e espontâneos na tela crua. Consigo imaginar a Gabriele no seu atelier em Berlim, a mover os braços ao som da textura dos pastéis de óleo a desfazerem-se de forma pouco regular sobre superfície da tela. Quase consigo ouvir os sons que esses movimentos criam. As cores misturam-se e sobrepõem-se, criando composições tão harmoniosas quanto fenómenos naturais. Não sabemos exatamente onde estas imagens nos levam, e é melhor que assim seja, para aprendermos a apreciar a beleza do incerto e do indefinido. Há um equilíbrio nas imagens que vemos. “Lentamente, as várias artes tornam-se capazes de transmitir o que lhes é próprio, e através dos meios que cada uma delas exclusivamente possui.” (Kandinsky, W., 1987. Do espiritual na arte. 6a ed. Lisboa: Publicações Dom Quixote, p.49.) De facto, quando observadas, as cores e formas das pinturas de Gabriele carregam uma mensagem que pode viajar pela matéria e pelo negativo, intencionalmente ou não.

Assim como nas pinturas de Gabriele, os objetos de Tobias Wenzel também brincam com o positivo e o negativo. Gotas de cor adicionam a um pedaço de papel branco formas que nos são familiares, mesmo que não consigamos identificá-las ou dar-lhes um nome. Por outro lado, um pedaço de Isopor* é cortado e subtraído até atingir uma nova forma. Essa mesma forma parece habitável e contém em si inúmeras interpretações. É como observar uma casa do lado de fora, sabendo que muitas vidas ocupam aquele espaço vazio, mas nunca sabendo ou mesmo tentando descobrir as histórias dessas vidas. Se os objetos de Tobias fossem uma casa, a sua forma seria sempre diferente. Enquanto observava estes objectos perdi-me neste jogo entre o negativo e o positivo, o objecto e o espaço que o rodeia, a cor e a sua ausência. Comecei a imaginar os possíveis significados, mensagens e histórias que poderiam viver dentro desses objetos sólidos e compactos. Há esta necessidade humana de atribuir um significado a cada forma que observamos, talvez para justificar a sua existência, como se a nossa existência precisasse de justificação. Será que precisa? Afinal, a novidade e a plenitude dessas formas conferem-lhes identidade suficiente para viverem sem justificação.

A novidade e a plenitude dessas formas são exatamente o que move Luisa Ramires quando passeia na rua. Num ambiente urbano ou rural, a Luisa está sempre atenta a cada pequeno detalhe e objeto da paisagem. Esses objetos lembram-nos de que vivemos neste planeta. Num passeio, à beira do rio, a artista encontrou uma pedra. Numa das faces foram esculpidos triângulos equidistantes. Lá estava, fora de contexto, uma pedra que tinha gravado em si um pedaço de uma história desconhecida - uma mensagem. Mais tarde, em seu atelier, Luisa desafia os limites entre a figuração e a abstração, entre o mundo digital e o natural. Usa a serigrafia para criar a repetição da mesma imagem, mas com todas as falhas e limites da natureza humana. Camada por camada, glitch por glitch, a artista chega a uma imagem tão humana que é irrepetível. Ao falar sobre seus trabalhos, a Luisa disse-me “clouds are heavier than rocks/ as nuvens são mais pesadas que as rochas”. Eu acreditei, porque através da sua prática artística, a artista re-imagina e recria os elementos e eles tornam-se leves, equilibrados e harmoniosos no espaço.

Ao pensar nas obras de Gabriele, Tobias e Luisa, volto àquela tarde na galeria e percebo que, mesmo que permaneça indefinida, a mensagem passou.

*isopor: material utilizado para isolamento das casas

Obras: